Seria trágico se não fosse triste, entretanto, este relato consegue ser os dois. Às vésperas do natal 2017 ( pode-se arredondar e dizer que um mês antes), a imprensa brasileira divulgou a sina de um menininho de oito anos, morador do Distrito Federal - capital do governo brasileiro - que surpreendeu sua professora num final de manhã rotineiro na escola. Só que o motivo não foi por uma nota boa numa prova, mas porque desmaiou de fome na sala de aula.
Manchetes nacionais e regionais, em todas as mídias, no entanto não "viralizou" nas redes sociais. Um a mais, um a menos, dos 13 milhões de esfomeados cidadãos brasileiros, segundo censo do IBGE. No mundo, dados divulgados por órgãos da ONU, anunciaram o número de 815 milhões de famintos. A fome continua um flagelo desumano em pleno século XXI. No caso brasileiro, a um ano das próximas eleições presidenciais, uma criança desmaia de fome na capital do governo brasileiro.
Fome em pleno século XXI ainda existe em todo o mundo
O Brasil saiu do mapa da fome mundial, há tão pouco tempo, desse monstro devorador não só de criancinhas ameaça voltar com muita voracidade disseram técnicos responsáveis por avaliar as ações desenvolvidas. Estes estudiosos têm vista a "Agenda 2030" (com objetivos de desenvolvimento sustentável), um projeto combinado por vários países membros da ONU para exterminar a fome mundial até 2030.
Caiamos na situação desconfortável de tirar a venda dos olhos pré-eleitoreiros - um só instante ao menos -antes que a massa informe e insana de disputas partidárias comecem a ferver os miolos de todos nós, pois temos quase oito milhões de pessoas passando fome neste momento!
É possível passar fome e desmaiar em plena capital do governo brasileiro
Superfaturamento de preços, fraude nas licitações, roubo de verbas dirigidas à merenda escolar das crianças brasileiras que faz meninos como o do Distrito Federal, deixarem de comer o que pode muitas vezes ser a única refeição do dia desses pequenos. Exemplo de alguns dentre outros absurdos frequentes dos quais nos esquecemos no turbilhão da rotina do dia-a-dia.
Só quem passa por essa dor insana, poderá de fato jamais esquecer. Quando, ocasionalmente, a correta distribuição da merenda ocorre, geralmente é deficiente, insuficiente ou com poder calórico muito baixo. Desmaiar de fome numa escola afinal, pode não ser tão absurdo.
As políticas públicas de distribuição de renda afetaram - em verdade - positivamente o quadro. Paralelamente, a insegurança alimentar (redução da quantidade ou qualidade da comida ingerida) atinge cerca de 50 milhões de conterrâneos, pelos dados da Ebia - Escala Brasileira de Insegurança Alimentar.
A questão da distribuição de renda continua quase inerte, com o percentual muito baixo dos que concentram as maiores rendas e uma enorme percentagem dos que recebem renda baixa e/ou insuficiente. A grande maioria dos brasileiros continua a ganhar muito pouco.
A notícia da fome brasileira não viralizou
No site do jornal Diário de Pernambuco, 21/11/2017 escrito por Wandeck Santiago a manchete era "Chamem Josué de Castro que a fome voltou". O IBGE registrou ainda que em cerca de 2,1 milhões de lares, ao menos uma pessoa que passou o dia inteiro sem se alimentar, por não ter dinheiro para compra comida.
A escala da Ebia, varia do grau 1 ao grau 4, compreendendo respectivamente: segurança alimentar; insegurança alimentar leve; insegurança alimentar moderada e insegurança alimentar grave. A pesquisa pretende avaliar as famílias de acordo com esses parâmetros para mapear os tipos de gravidade da fome no Brasil. Resultados ruins são os esperados, infelizmente.
A geografia da fome de Josué de Castro ainda é atual?
Há setenta anos, Josué de Castro deixou um legado inesquecível aos brasileiros, seu livro "Geografia da Fome", no qual traçou um triste mapa resultante da investigação profunda que fez dos detalhes mais cruéis do fenômeno da fome no país.
No livro, contextualizou a privação alimentar por regiões , chamando atenção inclusive para o surgimento de doenças e características da produção de alimentos. Este trabalho, embora um legado inspirador de projetos de combate à pobreza, se configura num dos poucos modelos literários de estudos sobre este problema. Josué de Castro foi embaixador do Brasil na ONU e indicado ao Prêmio Nobel da Paz.
Este estudioso humanista questionava o porque do assunto da fome despertar tão pouco interesse nas mesas de debates.Sua frase célebre é comentada até hoje: "Enquanto metade da humanidade não come, a outra metade não dorme, com medo da que não come."
Desmaiar de fome na escola e na capital do governo, parece não chamar a atenção de ninguém.